Afegãos presos em países de transição evidenciam a falha no reassentamento após a retirada dos EUA

Desde a tumultuada retirada dos EUA do Afeganistão em 2021, com o esvaziamento da base militar de Bagram, que durante vinte anos foi o centro do poder militar norte-americano e de seus aliados no Oriente Médio, milhares de afegãos que fugiram do país em busca de segurança continuam presos em condições precárias em países de transição.

Documentos recentes, obtidos exclusivamente pelo Guardian, revelam que, apesar das promessas de reassentamento, muitos estão sendo mantidos em instalações temporárias, muitas vezes semelhantes a prisões, em até 36 países, com pouca clareza sobre seus futuros.

A retirada, que envolveu a evacuação de cerca de 120 mil pessoas para escapar da tomada do Taleban, resultou em um massivo deslocamento de cidadãos afegãos. No entanto, apesar de mais de 190 mil afegãos terem sido reassentados nos EUA desde então, centenas, se não milhares, permanecem em locais desconhecidos, aguardando uma resolução para seus pedidos de reassentamento. As condições de vida nesses locais, como relatado pelos defensores dos direitos humanos, incluem instalações inadequadas, separações familiares, saúde mental em declínio e o medo constante de repatriação forçada.

Bebê é entregue a soldado no aeroporto de Cabul enquanto milhares de afegãos tentavam fugir do país que acabava de ser dominado pelo Taleban em 2021 (Foto: reprodução de vídeo)

Os documentos, obtidos após litígios contra os Departamentos de Defesa, Estado e Segurança Interna, descrevem um sistema falho de evacuação e reassentamento. Um dos aspectos mais preocupantes é a falta de acesso a serviços essenciais, como advogados, organizações humanitárias e até mesmo embaixadas dos EUA, agravando o sofrimento dos afegãos em situação de vulnerabilidade. Relatos de suicídios, greves de fome e condições de detenção extremas, como as encontradas na “Emirates Humanitarian City“, em Abu Dhabi, aumentam a pressão sobre o governo dos EUA para agir de maneira mais eficaz.

Embora o Departamento de Estado tenha afirmado que os esforços de reassentamento estão em andamento e que mais de 33 mil vistos especiais de imigrantes foram emitidos em 2024, o processo continua repleto de obstáculos. A escassez de recursos, a falta de transparência e a complexidade do sistema têm mantido milhares de afegãos em um limbo indefinido, sem perspectivas claras de futuro.

Apesar de as autoridades dos EUA terem negado anteriormente sua presença em locais onde afegãos estão sendo mantidos no exterior, documentos revelam que estavam envolvidos no estabelecimento de algumas dessas instalações. Os registros mostram acordos com cinco países – Catar, Omã, Kuwait, Itália e Alemanha – para a realocação “temporária” de afegãos, com compromissos de fornecer segurança, conforto, alimentação, cuidados médicos e educação, além de ajudar a manter a ordem, incluindo patrulhas conjuntas.

Advogados e grupos de defesa dos direitos humanos, como o Centro de Direitos Constitucionais e o Centro de Direito Abolicionista, alertam para o impacto psicológico e social dessa situação, com muitos afegãos enfrentando condições de vida insustentáveis. Em alguns casos, como o de uma mulher idosa com demência que foi levada aos EUA enquanto seu cuidador ficou para trás, surgem questões de humanitarismo e responsabilidade, refletindo a falha do sistema em garantir um reassentamento digno e seguro.

Ouvido pela reportagem, Shawn VanDiver, veterano da Marinha dos EUA e fundador do #AfghanEvac, expressou receio de que Donald Trump possa bloquear a chegada de refugiados, como fez em seu primeiro mandato. Ele afirmou que, embora os esforços de reassentamento estejam em andamento, o sistema atual é falho e foi projetado para ser difícil, dificultando o processo de apoio aos aliados afegãos.

Além disso, um número crescente de veteranos e ex-funcionários do governo dos EUA está pedindo ao governo atual que preserve os programas de reassentamento e aumente os recursos alocados para os afegãos que ajudaram os EUA durante a guerra de duas décadas no Afeganistão.


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