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Parecia Montevidéu, mas era Colombes, na França. Logo após a vitória sobre a Suíça por 3 a 0 que garantiu aos uruguaios a conquista da medalha de ouro, os franceses presentes nas arquibancadas do estádio Yves-du-Manoir aplaudiram e celebraram com admiração o triunfo da Celeste.
Como forma de retribuir o carinho recebido pelos anfitriões, os atletas, liderados pelo capitão José Nasazzi, percorreram toda a lateral do campo para saudar os torcedores.
O gesto, registrado pela primeira vez no título do Uruguai na Olimpíada de Paris-1924, deu origem à chamada “volta olímpica”, uma tradição que o futebol mantém há quase 100 anos.
Na Olimpíada seguinte, em Amsterdã-1928, a seleção repetiria o sucesso e conquistaria o bicampeonato. São feitos tão reverenciados pelos uruguaios que três dos quatro setores do estádio Centenário, o principal do país, foram nomeados a partir dos feitos nos Jogos (tribunas Colombes, Amsterdam e Olímpica).
Responsável por inaugurar o gesto histórico, o próprio futebol uruguaio tratou de criar décadas depois uma versão alternativa a ele. Em 1976, o pequeno Defensor, de Montevidéu, se sagrou campeão. Foi apenas a primeira vez que Nacional ou Peñarol não conquistaram o título na era do profissionalismo.
Atletas da equipe violeta como Pedro Graffigna, além do técnico José Ricardo De León, eram ligados a partidos e movimentos de esquerda. O que na época, com o Uruguai em plena ditadura militar, era considerado uma afronta ao governo. O Partido Comunista, ao qual De León era filiado, passou a operar de forma clandestina.
Quando o Defensor derrotou o Rentistas por 2 a 1 na última rodada e levantou a taça, os jogadores foram comemorar com sua torcida ao redor do gramado. A volta olímpica, porém, foi distinta. Em vez de seguir a tradição, fizeram o percurso no sentido horário, ou seja, com os campeões saudando os torcedores à sua esquerda.
“Foi intencional. Era o que queríamos fazer. A gente vivia um momento muito especial, e foi uma forma de mostrar que havíamos conseguido algo considerado impossível”, disse o ex-atacante Julio Fillipini, que participou daquela campanha, em entrevista à Folha no ano passado.
Assim como o gesto celebratório, há uma outra expressão que ganhou alcunha olímpica e também envolveu o Uruguai. Mas o gol olímpico, ainda que carregue esse nome, não tem sua origem na Olimpíada.
Após a conquista do ouro em Paris-1924, uruguaios e argentinos se enfrentaram em dois amistosos para homenagear o sucesso da Celeste nos Jogos. A primeira partida, disputada em Montevidéu no dia 21 de setembro daquele ano, terminou em empate por 1 a 1.
O segundo confronto deveria ter sido realizado uma semana depois, no dia 28. Contudo, o estádio do Sportivo Barracas, que ficava na zona sul de Buenos Aires, recebeu mais gente do que sua capacidade comportava. A presença de mais de 50 mil pessoas ocasionou na invasão de torcedores no gramado. O clássico do Rio da Prata, então, precisou ser adiado.
No dia 2 de outubro, no mesmo estádio, as equipes enfim puderam se enfrentar para o jogo de volta. Cerca de 37 mil presentes acompanharam a partida.
Aos 15 minutos do primeiro tempo, o ponta esquerda argentino Cesáreo Onzari, jogador do Huracán, cobrou um escanteio e a bola foi direto para o fundo do gol, sem tocar em ninguém. Meses antes, a International Board, atendendo a uma solicitação da Federação Escocesa, havia aprovado a nova regra que tirava a obrigatoriedade de um segundo toque para que o gol fosse validado.
Os uruguaios, muitos deles sem saber da nova diretriz, reclamaram com o árbitro Ricardo Villarino, que conhecia a mudança na regra e apontou para o centro do campo. A Celestre chegou a empatar com Pedro Cea, mas a Argentina conquistou a vitória por 2 a 1 com gol de Domingo Tarascone.
A quatro minutos do término da partida, uma entrada do uruguaio José Andrade em Onzari resultou em manifestação violenta dos torcedores argentinos, que arremessaram garrafas e pedras na direção do campo. A Celeste foi para o vestiário e o jogo foi encerrado, com triunfo dos donos da casa.
A partir daquele clássico, argentinos que estiveram no estádio ou leram sobre o duelo nos jornais lembrariam até o fim de suas vidas do “gol de Onzari nos [campeões] olímpicos”. O termo se estabeleceria no vocabulário universal do futebol com sua forma reduzida, “gol olímpico”.
Ídolo do Huracán na era do amadorismo, Cesáreo Onzari ganhou menção no tango “Largue a esa Mujica”, composto por Juan Sarcione e gravado por Carlos Gardel. Em 1964, quatro décadas depois de inaugurar o gol de escanteio, o ponta morreu aos 60 anos de idade, eternizado na história do futebol e da música.