A diplomacia brasileira conseguiu manter no acordo entre Mercosul e União Europeia o uso das compras do Estado como ferramenta para impulsionar a indústria brasileira. Em termos gerais, o objetivo é dificultar compras externas para que o governo compre de empresas brasileiras. Entre as medidas anunciadas nesta sexta-feira está a exclusão das compras do Sistema Único de Saúde do acordo.
Com isso, o governo brasileiro está vetado de comprar itens destinados ao SUS de outros países. A exclusão foi posta como “complexa”. O governo reconhece as compras governamentais com um “instrumento para o desenvolvimento econômico e industrial” e por isso pediu a revisão deste trecho do acordo para garantir a manutenção desse instrumento como impulsionador econômico e industrial. Esta foi uma das cláusulas que travou o avanço das negociações ao longo do ano, mas terminou com uma vitória da diplomacia brasileira.
Ainda sobre compras governamentais, o texto prevê a preservação da possibilidade de encomendas tecnológicas, considerada uma política de fomento à inovação; a eliminação de restrições temporais ao uso de offsets tecnológicos e comerciais; a manutenção de espaço para políticas de incentivo a micro e pequenas empresas e agricultura familiar; e a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais.
Outro ponto de impasse foi a cláusula sobre as exigências ambientais impostas pela União Europeia. O acordo final prevê um reforço do compromisso ambiental e econômico, mas rechaça “barreiras desnecessárias ao comércio”.
Os dois blocos acordaram uma série de compromissos de proteção ao meio ambiente e de promoção do trabalho decente. O Brasil tinha preocupação com a questão ambiental por temer que a nova lei antidesmatamento da Europa fosse usada para dificultar a entrada de produtos brasileiros na União Europeia. Esse trecho do acordo seria um mecanismo de proteção em caso de medidas unilaterais vistas como protecionistas.
Apesar do receio brasileiro, a presidente do bloco europeu, Ursula von der Leyen, destacou a política ambiental do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e afirmou que o compromisso com o meio ambiente deveria ser mundial.
Lula, por sua vez, também destacou os dois pontos eu seu discurso sobre o acordo e afirmou que o texto final é “equilibrado” e “reconhece as credenciais ambientais” do Mercosul.
— Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia. Alongamos um calendário de abertura do nosso mercado automotivo, resguardando a capacidade de fomento do setor industrial. Criamos mecanismos para evitar a retirada unilateral de concessões alcançadas na mesa de negociações. Estamos assegurando novos mercados para nossas exportações e fortalecendo fluxo de investimento
Outros pontos sobre o acordo
Compromisso com abordagem cooperativa a respeito de medidas sustentáveis domésticas que impactam o comércio:
UE se comprometeu a utilizar os dados de autoridades do MERCOSUL na avaliação da compatibilidade das importações provenientes do MERCOSUL com requisitos de conformidade estabelecidos por legislações do bloco europeu. Os blocos também reconheceram que as medidas ambientais que impactam o comércio devem ser consistentes com os Acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), não devem constituir restrição disfarçada ao comércio e devem ser baseadas em informações técnicas e científicas.
Setor automotivo com eliminação tarifária em período mais longo:
Mercosul garantiu condições mais flexíveis para a redução tarifária para veículos eletrificados e para veículos de novas tecnologias, mesmo as ainda não disponíveis comercialmente. Para veículos eletrificados, a desgravação passará a se dar em 18 anos. Para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência. Para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência. Até esta etapa negociadora, nenhum cronograma de desgravação era superior a 15 anos.
Criação de uma salvaguarda de investimentos para o setor automotivo:
Foi estabelecido um mecanismo inédito de salvaguardas com vistas a preservar e ampliar investimentos automotivos. Caso venha a haver um aumento de importações europeias que causem dano à indústria, o Brasil pode suspender o cronograma de desgravação de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia
Adoção de flexibilidade para políticas públicas sobre minerais críticos:
Brasil garante o direito de aplicar restrição às exportações de minerais críticos se julgar apropriado, por exemplo, para estimular a agregação de valor no país.
Criação de um Mecanismo de Reequilíbrio do Acordo para evitar que medidas unilaterais comprometam concessões comerciais negociadas:
Evita medidas unilaterais prejudiquem o equilíbrio estabelecido no acordo
Capítulos do Acordo
Comércio de Bens: contempla um amplo compromisso de liberalização tarifária em setores industriais e agrícolas, respeitando as especificidades de cada mercado.
Regras de Origem: define critérios para assegurar benefícios comerciais às duas partes
Facilitação de Comércio: reduz custos e simplifica processos relacionados à importação e exportação
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT): promove boas práticas regulatórias para evitar barreiras desnecessárias
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS): facilita o comércio agropecuário
Diálogos: estabelece mecanismos de cooperação técnica entre os blocos em temas como bem-estar animal, biotecnologia agrícola e resistência antimicrobiana
Defesa Comercial: reafirma os direitos de aplicação de medidas antidumping e compensatórias conforme as normas da OMC
Salvaguardas Bilaterais: permite proteger indústrias domésticas de surtos de importação decorrentes da liberalização comercial
Serviços e Investimentos: amplia a transparência e segurança jurídica para investidores e prestadores de serviços
Compras Governamentais: garante acesso preferencial ao mercado público europeu para empresas do Mercosul e vice-versa. Os compromissos específicos do Brasil levam em conta o interesse em preservar espaço para política pública nas áreas de desenvolvimento industrial, saúde pública, tecnologia e inovação, pequenas e médias empresas e pequenos produtores rurais.
Propriedade Intelectual: consolida padrões internacionais de proteção e reforça o reconhecimento de indicações geográficas
Pequenas e Médias Empresas: promove ações específicas para facilitar sua integração em cadeias globais, como programas de capacitação, parcerias e participação em licitações públicas
Defesa da Concorrência: reafirma o compromisso de combater práticas anticompetitivas
O capítulo de Subsídios estabelece regras para garantir transparência e prevenir distorções de mercado.
Empresas Estatais: busca equilíbrio entre critérios comerciais e objetivos públicos, garantindo que empresas estatais possam operar com flexibilidade para cumprir funções de interesse nacional
Comércio e Desenvolvimento Sustentável: reafirma compromissos multilaterais como o Acordo de Paris e a Agenda 2030, integrando sustentabilidade às relações comerciais e promovendo cadeias produtivas sustentáveis. Conta também com compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio.
Transparência: promove boas práticas regulatórias com exigência de consultas públicas, avaliações de impacto e revisão periódica de medidas, garantindo previsibilidade no comércio
Exceções: prevê salvaguardas para proteger segurança, saúde, meio ambiente e cultura, permitindo a adoção de medidas excepcionais desde que sejam proporcionais e não discriminatórias
Solução de Controvérsias: define mecanismos de resolução de disputas, com consultas iniciais e possibilidade de arbitragem, assegurando cumprimento das obrigações
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