A desinformação ganha papel central no debate eleitoral brasileiro

Faltando três meses para as eleições gerais de outubro, publicações falsas ou enganosas sobre os pré-candidatos e o sistema eleitoral multiplicam-se nas redes sociais, evidenciando que, mais do que nunca, a desinformação terá um papel central no debate político.


Desde o início de 2022, o número de peças desinformativas verificadas pela AFP relacionadas à disputa eleitoral foi aumentando gradativamente: de janeiro a junho, o número mais do que quadruplicou.


“Ao longo desses últimos meses o que se viu é que os conteúdos sobre as eleições passaram a ocupar esse espaço [antes dominado pela pandemia de Covid-19], ganhando preponderância”, avaliou Sérgio Lüdtke, coordenador do Comprova, projeto de verificação colaborativa composto por 42 veículos de comunicação, entre eles a AFP.


A tendência, esperada por especialistas com a aproximação da votação, ganha novos contornos em 2022, com o uso de novas redes sociais e a complexidade dos temas. 




“A pandemia foi, provavelmente, um período de muito teste para esses grupos [que compartilham desinformação], que acabaram a transformando em um evento político”, sinalizou Lüdtke. A consequência, acrescentou, é que a desinformação se apresenta de maneira “muito mais complexa” do que em eleições anteriores. 


Com a Covid-19, a desinformação ganhou “um novo corpo que perpassa a política, a economia e a ciência”, concordou Joyce Souza, especialista em Comunicação Digital pela Universidade de São Paulo.


Os conteúdos eleitorais viralizados se centram principalmente na desconfiança no sistema – atacando as urnas eletrônicas e as pesquisas – e nos pré-candidatos que lideram a disputa: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro.


Evolução da desinformação


Nas eleições gerais de 2018, publicações falsas e enganosas já mostravam o impacto que poderiam ter, no entanto, podiam ser diretamente checadas com informações de fontes confiáveis. “O que a gente vê hoje são conteúdos que não são necessariamente falsos, por si só, mas que levam à interpretação enganosa”, apontou Lüdtke.


Foi o que aconteceu, em maio, com um tuíte que colocava em dúvida a credibilidade de uma pesquisa de intenção de voto por ter entrevistado “somente” cerca de mil pessoas. O dado era correto, mas a conclusão não: especialistas explicaram à AFP que uma amostra desse tamanho é suficiente para fazer inferências estatísticas.


Essa estratégia dificulta a verificação e faz com que, muitas vezes, conteúdos distorcidos que têm por objetivo despertar emoções sejam passados adiante com maior facilidade, explicou Souza.


“Uma das estratégias do complexo cenário de desinformação é criar dúvida no usuário das redes, misturando tanto os fatos, que o leitor não sabe mais em quem confiar”, resumiu Pollyana Ferrari, pós-doutora em Comunicação e coordenadora da rede PUC Check. 


Mais plataformas


Desde as presidenciais de 2018, algumas plataformas ganharam espaço entre os brasileiros, como o Telegram e os aplicativos de vídeo TikTok e Kwai, que permitem disseminar conteúdos mais visuais rapidamente e fazer alterações de maneira simples.


Foi o que aconteceu com um vídeo que parecia mostrar a torcida da seleção brasileira gritando “Lula, ladrão” em um estádio lotado. As imagens foram visualizadas mais de 100 mil vezes em apenas uma das publicações, que questionavam: “Esse é o líder das pesquisas?”. Mas o áudio havia sido substituído usando uma ferramenta nativa do TikTok.


Para Ferrari, esse tipo de uso do TikTok é um dos marcos da onda de desinformação deste ano, pois as alegações ganham uma nova roupagem, mais engraçada. 


“Como um vírus, o fake contamina os ouvidos, distorce a visão, se instala na mente e se esconde no riso do meme, que, de tão inofensivo, acaba sendo um vetor de transmissão de desinformação”, opinou. 


O risco que esses conteúdos representam é grande, como resumido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em texto divulgado em junho: “Informações falsas ou descontextualizadas afetam os juízos de valor, fazendo com que as pessoas decidam com base em percepções equivocadas da realidade”. 


Lüdtke e Souza concordam sobre os riscos que as narrativas enganosas podem acarretar. Como apontou a especialista em Comunicação Digital, esses conteúdos “destroem o debate racional na sociedade, faz com que o ódio prevaleça ao debate público”. 


O coordenador do Comprova finalizou: “Todo esse tipo de desinformação que é mais sofisticada tem um efeito que não é transitório e provavelmente permaneça em várias partes da sociedade”.

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