Coronel do Exército justifica mensagem golpista em grupo de WhatsApp: ‘Só conjecturas’

Na análise que fez dos dados do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, a Polícia Federal encontrou uma série de mensagens em grupos de WhatsApp que defendiam abertamente um golpe no país após a eleição do ano passado, em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Jair Bolsonaro. Ao GLOBO, um dos integrantes do grupo batizado como “Dosssss!”, o tenente-coronel Gian Dermário da Silva, que comandava o 7º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército Brasileiro, afirmou que as conversas eram discussões de “possibilidades”, “só conjecturas”.


No grupo, o coronel Gian defende “uma ação por parte do PR e FA, que espero que ocorra nos próximos dias”. PR é uma referência ao presidente e FA, Forças Armadas. Naquele momento, milhares de apoiadores de Bolsonaro se concentravam em frente a quartéis pelo país pedindo a anulação das eleições e uma intervenção militar.

O militar afirma ainda que as tropas deveriam agir independentemente da adesão ou não de seus comandantes. “Confio muito em nós, mas somente em nós”, disse o coronel, acrescentando. “Já pensem na proteção das nossas famílias”, acrescentou.

Questionado pelo GLOBO sobre as mensagens, o tenente-coronel afirmou não se lembrar o contexto, mas confirmou seu teor.

— Não me lembro (direito), mas são só conjecturas, possibilidades, pois estudamos muito os vários tipos de conflitos atuais que ocorrem atualmente pelo mundo, em todos os aspectos. É a nossa profissão, estudar essas variações atuais, apenas isso — afirmou o militar ao ser questionado pelo GLOBO sobre as mensagens.

Segundo ele, o grupo em qual fez os comentários foi criado em 2006 e hoje conta com cerca de cem integrantes. A maior parte são militares da ativa e da reserva da região Centro-Oeste.

Outro militar a participar das conversas no WhatsApp é o comandante 1º Batalhão Logístico de Selva, coronel Márcio Nunes de Resende Júnior. Em uma das mensagens, ele afirma que se Bolsonaro acionasse o artigo 142 da Constituição, “não haverá quem segure as tropas”. “Ou participa ou pede para sair”, escreveu.

Ele se referia ao artigo da Constituição deturpado por bolsonaristas para passar a interpretação de que as Forças Armadas seriam um poder moderador. A tese já foi refutada inclusive pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, que reforçou caber ao Supremo Tribunal Federal intepretar a Constituição.

Ao GLOBO, o coronel Márcio Resende disse preferir não comentar o teor das mensagens.

Em diversos momentos, os integrantes do grupo se referem ao ministro Alexandre de Moraes de uma forma jocosa, com apelidos. Um deles, não identificado pela PF, ameaçou diretamente Moraes: “Vai ter careca sendo arrastado por blindado em Brasília?”.

Em nota, o Exército afirmou que “opiniões e comentários pessoais não representam o pensamento da cadeia de comando do Exército Brasileiro e tampouco o posicionamento oficial da Força”. “Como Instituição de Estado, apartidária, o Exército prima sempre pela legalidade e pelo respeito aos preceitos constitucionais. Os fatos recentes somente ratificam e comprovam a atitude legalista do Exército de Caxias”, afirma. “Eventuais condutas individuais julgadas irregulares serão tratadas no âmbito judicial, observando o devido processo legal. Na esfera administrativa, as medidas cabíveis já estão sendo adotadas no âmbito da Força”, completa.


Também em nota, os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, que defendem Cid, afirmaram que “por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo”.

Entenda o caso

O celular do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, tinha mensagens e documentos que revelam uma trama para dar um golpe de estado, afastar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e colocar o país sob intervenção militar.

Conforme revelou O GLOBO em maio, a PF já havia identificado áudios e mensagens nos arquivos do celular do major reformado do Exército Ailton Gonçalves Barros que “evidenciavam” a discussão do plano golpista. Entre as mensagens que chamaram a atenção da PF, estão dois prints (capturas de tela) de uma conversa entre Barros e um contato denominado “PR 01”, “possivelmente relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro”.

Já no celular de Cid, um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, a PF encontrou um documento intitulado “Forças Armadas como poder moderador”. Nele é apresentado um plano baseado numa tese controversa em que militares poderiam ser convocados para arbitrar conflitos entre os poderes.

O documento ensina uma espécie de “passo a passo” do golpe e não é o mesmo da minuta golpista encontrada com o ex-ministro Anderson Torres. Segundo o plano, Bolsonaro deveria encaminhar as supostas inconstitucionalidades praticadas pelo Judiciário aos comandantes das Forças Armadas. Os militares então poderiam nomear um interventor investido de poderes absolutos.

Esse interventor, na sequência, poderia fixar um prazo para o “restabelecimento da ordem constitucional”. Assim, poderia suspender decições que considerasse inconstitucionais, como a diplomação de Lula. Além disso, poderia afastar preventivamente ministros do STF como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que na época integravam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No lugar, convocaria os substitutos, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

Os documentos publicados pela Veja fazem parte de um relatório de 66 páginas produzido pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal. No telefone de Mauro Cid foi encontrado ainda outro documento, onde é aventada a hipótese de decretação de estado de sítio, uma das medidas mais extremadas previstas na Constituição para situações excepcionais, como em caso de guerra.

A trama incluiu até mesmo integrantes do alto escalão das Forças Armadas, como atestam diálogos do coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, com Mauro Cid. Após a derrota de Bolsonaro nas urnas, Lawand manteve contato frequente com Cid e cobrou, repetidamente, que fosse colocado em prática um plano golpista.

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