“Defensor da liberdade e da democracia”, diz a frase gravada no busto de Rubens Paiva (1929-1971) na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde ele atuou como parlamentar de fevereiro de 1963 a abril de 1964, até o golpe militar O epíteto resume a trajetória do político, que se tornaria uma das vítimas mais conhecidas da ditadura. Sua prisão e morte voltaram ao centro das atenções com o sucesso do filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, que narra o drama da família Paiva, em especial de sua esposa, Eunice. Mas, afinal, como o deputado Rubens Paiva atuou no Congresso, onde teve trajetória breve, porém muito marcante?
Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos, no litoral de São Paulo, em 1929, e desde jovem se engajou na política. Na Universidade Mackenzie, onde se formou em engenharia civil em 1954, participou do movimento estudantil como presidente do Centro Acadêmico e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes. Ingressou no Partido Socialista Brasileiro (PSB) e, posteriormente, no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Na ocasião, Paiva ganhou projeção por defender reformas agrárias, a nacionalização de empresas estratégicas e melhorias na educação e na saúde.
Eleito deputado federal em fevereiro de 1963, ganhou destaque ao liderar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o financiamento ilegal de campanhas por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes).
— Rubens Paiva era da ala nacionalista do PTB, que defendia reformas. Queriam uma modernização do modelo capitalista brasileiro. Na CPI, ele e Eloy Dutra eram os mais atuantes. Talvez, os mais veementes e os que mais pressionavam — conta o jornalista e biógrafo Jason Tércio, autor dos livros “Segredo de Estado” e “Perfil parlamentar de Rubens Paiva”, que por três anos mergulhou na vida de Paiva.
O senso combativo colocou o deputado na mira de militares depois do golpe. Idealista, mesmo depois de ser cassado pelo Ato Institucional número 1 e perder os direitos políticos em abril de 1964, continuou atuando politicamente. Em 1° de abril, dias antes de ser apeado do mandato, fez um discurso na Rádio Nacional criticando o apoio do governador paulista, Ademar de Barros, à investida dos militares, e instou a população a defender a legalidade, o que não foi bem visto pelo regime de exceção.
“Me dirijo, especialmente, a todos os trabalhadores, todos os estudantes e a todo povo de São Paulo tão infelicitado por esse governo fascista e golpista, que vem traindo seu mandato e se pondo ao lado das forças de reação. […] Os golpistas devem ser repelildos para que o nosso país veja o momento da sua libertação raiar”, declarou o então deputado federal Rubens Paiva.
— Ele tinha o temperamento forte e muita coragem. Tinha a política no sangue — acrescenta o biógrafo.
Mesmo tendo um mandato de apenas pouco mais de um ano, Paiva teve meses de trabalho intenso durante o governo João Goulart. Suas denúncias e posicionamentos progressistas fizeram dele um alvo direto da ditadura. Ainda que empresário do ramo da engenharia civil e com boa condição financeira, Paiva defendia pautas sociais.
— Ele foi um dos primeiros políticos a ter o mandato cassado. Naquela virada da ditadura, ele fez um discurso marcante. Foi um dos poucos a fazer oposição naquele momento — lembra o historiador e jornalista Raphael Kapa.
A perseguição e o exílio
Mesmo sem integrar a luta armada, Paiva mantinha contato com núcleos de resistência. Em 1968, o AI-5 agravou o cerco contra ele, enquanto o político buscava apoiar, de alguma forma, grupos como o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e encaminhar cartas de perseguidos políticos exilados no Chile.
Após ter o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos, Rubens Paiva iniciou, ele próprio, um breve exílio na Europa, mas retornou ao Brasil de forma clandestina e desafiou a repressão ao declarar: “Estou no Brasil e vou ficar no Brasil. Não quero exílio nem clandestinidade.” De volta, retomou suas atividades como engenheiro e diretor do jornal Última Hora, uma das principais vozes opositoras à ditadura.
A prisão e o desaparecimento
Em 20 de janeiro de 1971, feriado de São Sebastião no Rio de Janeiro, Rubens Paiva foi preso por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), sob suspeita de ligação com a oposição ao regime. A ação se deu após agentes da ditadura terem encontrado uma carta de Helena Bocayuva, militante do MR-8, endereçada a Paiva. Os militares suspeitaram que o político tivesse contato com “Adriano”, codinome de Carlos Alberto Muniz, e que poderiam, através dele, chegar a Carlos Lamarca — o homem mais procurado do país à época.
— Ele era muito monitorado, apesar de não ter sido um político de fazer muitos discursos. Atuava mais nos bastidores e não misturava a família com a política. Rubens preservava isso — afirma Tércio.
No quartel da Força Aérea Brasileira (FAB), ele começou a ser violentado. Depois, foi entregue a militares do Exército nos porões do Doi-Codi, onde também foi torturado e assassinado naquela mesma noite ou nos dias seguintes, segundo o que foi registrado pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014. Sua esposa, Eunice, e a filha Eliana, de 15 anos, também chegaram a ser presas.
De acordo com a versão oficial dos militares na ocasião, um grupo terrorista teria levado Rubens Paiva enquanto agentes transportavam-no para o Alto da Boa Vista, na Zona Norte do Rio. Ele teria fugido do carro em que estava em meio a uma troca de tiros.
Já segundo a Comissão Nacional da Verdade, Paiva foi torturado nas instalações do Doi-Codi e morreu em decorrência das agressões. Seu corpo nunca foi encontrado, e apenas em 1996 a família recebeu um atestado de óbito.
— Esse temperamento forte dele também pode ter contribuído para sua morte, pois ele enfrentava os torturadores de forma direta e não aceitava o que estava acontecendo — explica o biógrafo.
Na última quinta-feira, o atestado de óbito do ex-deputado federal foi corrigido. A nova versão do documento, emitida pelo Cartório da Sé, em São Paulo, afirma que a causa da morte foi “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964.”
— O que aconteceu com Rubens Paiva, uma figura com influência, ampla rede de contatos e poder aquisitivo, tornou-se emblemático ao evidenciar que aquilo poderia acontecer com qualquer um — pontua Raphael Kapa.