Uma nova investigação da ONG suíça Public Eye, em colaboração com a Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, analisou rótulos e amostras em laboratório de dois dos principais produtos direcionados a bebês e crianças da Nestlé, o Ninho e o Mucilon, e encontrou quantidades elevadas de açúcar adicionado entre as unidades vendidas em países de média e baixa renda, mas não naquelas comercializadas em nações como a Suíça, de onde é a empresa, e outras europeias.
A estratégia de vender o mesmo produto com ingredientes diferentes de acordo com o país é chamada de duplo padrão. À Public Eye, o cientista do Departamento de Saúde Materna, Neonatal, da Criança e do Adolescente e Envelhecimento da OMS, Nigel Rollins, classificou o duplo padrão como algo “injustificável”.
Divulgada nesta semana, a pesquisa envolveu 150 itens disponíveis nos principais mercados da Nestlé na África, na Ásia e na América Latina. Entre as unidades do Mucilon, cereal infantil líder de mercado indicado a partir dos 6 meses de idade, quase todos (94%) tinham adição de açúcar. Embora a prática não seja contra a lei, de acordo com a legislação da maioria dos países, como no Brasil, ela contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O órgão é firme na defesa de que menores de dois anos não devem consumir açúcares livres, ou seja, nem aqueles adicionados pela indústria de alimentos ou pela pessoa em casa, nem os de produtos como mel, xaropes e néctares. O consumo do açúcar deve ser restrito ao presente em itens in natura, como o de frutas ou do leite (a lactose).
De um modo geral, foram encontrados em média 4g de açúcar adicionado por porção de 21g do Mucilon, o que equivale a quase 20% do total. No Brasil – segundo maior mercado da empresa no mundo –, a quantidade foi de 3g, identificada em 6 de 8 produtos analisados, geralmente com a adição do açúcar maltodextrina.
Por que as empresas fariam duplo padrão?
A adição foi observada em países como Índia, Indonésia, Vietnã, Tailândia, África do Sul, Etiópia, Nigéria, Senegal e nas Filipinas, onde chegou a 7,3g por porção. Enquanto isso, na Suíça, de onde é a Nestlé, e nos principais mercados europeus, como Alemanha, França e Reino Unido, os produtos para a faixa etária de seis meses de idade são vendidos sem açúcar adicionado, destaca o relatório. De acordo com especialistas, as empresas podem vender produtos com ingredientes diferentes de acordo com o país por diferentes motivos.
— Há um grande problema não só no Brasil, mas em todos os países pobres, que é a questão do custo da alimentação ser muito alta. As empresas tentam baratear os seus produtos adicionando açúcar, farinhas, qualquer tipo de ingrediente que seja mais barato do que a proteína. Então, não só a Nestlé, mas várias outras marcas acabam adicionando ingredientes para tornar aquele “cover” do produto mais barato e enganar o consumidor — explica a nutricionista Priscilla Primi, colunista do Globo.
— Os resultados do relatório são muito impactantes em relação ao cenário internacional. Por que as crianças que moram na Europa recebem produtos com melhor qualidade nutricional do que as do Sul global? Há um claro interesse de ampliar esse mercado consumidor, fazer uma formação de hábitos que favoreça o de outros itens açucarados no futuro, ultraprocessados, que virão depois dos cereais — afirma Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) e professora de Nutrição da universidade.
O mesmo “duplo padrão” acontece em relação ao leite em pó Ninho, indicado para crianças de 1 a 3 anos: a análise da Public Eye identificou açúcar adicionado em 72% das unidades em países de média e baixa renda – em média 2 g por porção de 25 g. O valor máximo foi encontrado no Panamá (5,3 g). Porém, no caso do Brasil, as amostras do leite em pó não tinham açúcar adicionado – o que é proibido no país.
Em nota enviada ao Globo, a Nestlé diz aplicar “os mesmos princípios de nutrição, saúde e bem-estar em todos os lugares”, mas que “variações nas receitas entre países dependem de vários fatores, incluindo regulamentos e disponibilidade de ingredientes”.
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