O governo avalia uma série de medidas para aumentar a arrecadação federal e cumprir as metas previstas no arcabouço fiscal apresentado na quinta-feira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A pasta prevê iniciativas com impacto de até R$ 150 bilhões por ano, embora o efeito para 2023 seja menor, em razão das regras de quarentena para cobrança de imposto.
Entre as ações em estudo está uma mudança na tributação dos chamados fundos exclusivos, fechados para alta renda. Com a proposta, o imposto passaria a ser cobrado a cada seis meses e não somente no momento do resgate, como é hoje. É o chamado “come-cotas” já aplicado em outros fundos. Cálculos iniciais apontam a possibilidade de uma arrecadação anual próxima a R$ 10 bilhões.
Essa medida já foi tentada em outras ocasiões e sempre teve resistências no Congresso. Em 2017, por exemplo, uma medida provisória (MP) chegou a ser editada para tratar do assunto, mas o texto não foi votado no Senado e perdeu validade.
Outra ação que está sendo planejada envolve mudança na forma como são registrados os benefícios fiscais do ICMS para as empresas e como eles devem ser computados no cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O tema está em discussão no Judiciário, é alvo de grande controvérsia e, com a mudança em avaliação no governo, esses incentivos seriam considerados como uma reserva de lucro e, consequentemente, seriam tributados pelo governo federal. Uma hipótese na mesa é tratar do tema por meio de MP. Segundo fontes a par da discussão, o impacto seria da faixa de dezenas de bilhões de reais.
Mecanismo de exportação
Em outra frente, já antecipada por Haddad, o governo deve passar a tributar apostas on-line, com expectativa de arrecadação anual de até R$ 6 bilhões. Essas empresas passarão a ser taxadas, o que não ocorre hoje. Além disso, haverá a cobrança de uma outorga inicial, apenas este ano e para quando uma nova empresa se instalar no Brasil, para autorizar o início das operações.
O governo quer taxas as apostas esportivas on-line, principalmente sobre resultados de futebol, também chamadas de sports betting. A medida não incluiria jogos de videogame ou esportes eletrônicos, chamados de e-sports.
Também deve haver mudança de regras para aumentar a tributação de empresas exportadoras que usam mecanismos para pagar menos impostos. Esse movimento ocorre por meio do uso de offshores (firmas sediadas em paraíso fiscal). Uma companhia brasileira, por exemplo, pode controlar uma offshore e exportar mercadorias para ela com preços mais baixos.
A empresa controlada, a offshore, funciona como uma espécie de distribuidora, vendendo a mercadoria para outras companhias e recebendo os lucros com isenção de imposto, pois está sediada em paraíso fiscal. No Brasil, porém, a exportadora declara prejuízo e acaba pagando menos impostos. No fim, a mercadoria acaba muitas vezes saindo direto para o consumidor final, sendo a offshore apenas um truque contábil.
Benefícios de R$ 456 bi
A visão do governo é que é necessário fechar os “ralos” que fazem algumas empresas ou pessoas de maior renda recolherem menos impostos. Todas as medidas precisam passar pelo Congresso.
Haddad quer reduzir parte dos benefícios tributários federais, que somam R$ 456 bilhões neste ano, segundo dados da Receita Federal. Nessa conta, porém, há uma série de benefícios populares, como o Simples Nacional e a Zona Franca, além das deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física — benefícios que não devem ser atingidos.
O governo busca outros casos em que seria possível fazer cortes sem grandes resistências políticas.
Como mostrou O GLOBO, o novo arcabouço fiscal do país vai depender de um expressivo aumento da arrecadação para que o governo atinja suas metas. Definida por Haddad como um plano de voo, a proposta prevê redução do déficit este ano, contas no zero a zero no próximo e superávits a partir de 2025.
O aumento de arrecadação neste ano tem potencial de reduzir o déficit, previsto hoje em R$ 107 bilhões. A meta do governo é chegar a um déficit de 0,5% do PIB em 2023 (ou algo como R$ 50 bilhões de rombo).
Ontem, o Banco Central informou que o setor público consolidado (governo federal, estados, municípios e estatais, com exceção da Petrobras) fechou fevereiro com déficit de R$ 26,4 bilhões. No acumulado do ano, o governo registra superávit de R$ 72,5 bilhões.
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