Andre de Grasse, de 26 anos, demorou alguns segundos para perceber. De óculos escuros, apesar de ser noite, ele esperou pela confirmação. Quando ela veio, ficou tão desnorteado que começou a pedir vibração a uma torcida inexistente no Estádio Olímpico de Tóquio. Mas tudo era permitido naquele momento.
O canadense, apontado no passado como possível sucessor de Usain Bolt, tinha seu ouro olímpico. Em 19s62, venceu os 200 m e deixou para trás os americanos Kenneth Bednarek e Noah Lyles, prata e bronze.
Até a manhã desta quarta (4), o momento mais famoso de sua carreira era uma foto com Bolt na Rio-O jamaicano estava a centímetros de vencer a semifinal dos 200 m e olha com um sorriso no rosto para o adversário. O rival era De Grasse. “Não levei tão a sério os Jogos do Rio quanto deveria”, diria ele depois.
O garoto que começou no atletismo porque sua escola em Ontario não tinha time de basquete havia chegado ao Brasil como alguém que poderia ameaçar o reinado de Bolt. Conquistou três medalhas -nenhuma de ouro. Foi bronze nos 100 m e no revezamento 4×100 m. Ficou com a prata nos 200 m.
Por isso, ele mesmo reconheceu que, nesta quarta-feira, era tudo ou nada. “Tenho esperado por esse momento e treinei duro por ele. Pensei no que fiz nos 100 m e fiquei um pouco decepcionado comigo. Poderia ter feito melhor. Fiquei dizendo para mim mesmo: ‘Eu tenho de ir lá e conseguir nos 200 m, tenho de completar o trabalho'”, disse, não cabendo em si de felicidade após a vitória.
Talvez De Grasse tenha assumido no início que o sucesso era garantido e que as vitórias viriam não importava o que fizesse. Se o técnico Tony Sharpe, medalhista olímpico em Los Angeles-1984, o descobriu após ele fazer um teste em que estava com roupa e tênis de jogar basquete, o que poderia dar errado? Sharpe, a maior influência do atleta, havia lhe dito que um dia ele seria o homem mais veloz do mundo.
Claro que o canadense deu azar de viver na mesma era da Bolt, o velocista que jamais perdeu uma final olímpica individual e dominou os 100 m e 200 m em três edições dos Jogos. Mas admite que poderia ter feito mais.
“Eu gostava de ficar na rua até tarde e comer em redes de fast food. Isso me tornou muito suscetível a lesões e atrapalhou meu desempenho”, admite. Também enfrentou dúvidas devido à altura, 1,76 m. É um dos mais baixos velocistas de elite do planeta. A cada prova que o ouro não chegava tinha de ouvir análises de que era pequeno demais. Suas passadas seriam muito curtas.
Foi sua mulher, a americana Nia Ali, quem o fez esquecer desses comentários. Ela ganhou prata nos 100 m com barreiras na Rio-2016, as Olimpíadas que De Grasse até hoje tem a sensação de que poderia ter sido diferente caso tivesse levado a competição mais a sério.
Toda a frustração veio à tona na final dos 200 m em Tóquio – ele fez o melhor tempo da carreira na prova. “Sabia que os americanos iriam me levar a correr no meu nível mais alto. Faz cinco anos que não batia meu recorde pessoal, então é um bônus.”
O canadense assumiu a ponta apenas na reta final e chegou a ficar na terceira posição. Seria mais um bronze para a coleção. “Não desta vez. Meu técnico pediu apenas para eu relaxar e deixar tudo fluir.”
De Grasse sempre disse que a pressão não o atingia, mas seu comportamento indicava o contrário, e os resultados, que faltava algo. E não se contentar com prata e bronze também mostra o nível esperado do desempenho do canadense. Se ele não levou a sério a Rio-2016, como disse, em Tóquio-2020 estava muito mais concentrado. Nem o cansaço que sentiu nos segundos finais o impediu de, enfim, vencer.
O ouro também trará mais visibilidade para o seu maior projeto no momento: a Fundação Andre De Grasse, que funciona no local onde era a pista de terra em que o canadense fez o primeiro teste de velocidade. A ONG oferece aulas de esporte para crianças da região de Ontario.
A medalha trará, ainda, um pouco de paz de espírito para o velocista. “Eu não sou Bolt. Ele era um corredor fenomenal e é um grande sujeito. Mas eu tenho minha própria história e meu caminho a seguir.”