Governo vê recuo em tributar e-commerce como tentativa de “estancar” desgaste

O recuo do governo na decisão de tributar compras de até US$ 50 na internet foi considerado internamente como uma derrota política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.


Segundo um auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o fim da isenção de US$ 50 nas encomendas internacionais nunca chegou a ser debatido no governo, mas passou a ser defendido pelo ministro como forma de aumentar a arrecadação em meio às discussões do arcabouço fiscal. A nova regra prevê mais espaço para investimentos conforme a receita.


Um ministro palaciano ouvido pelo Globo em caráter reservado tratou a divulgação dos planos pelo Ministério da Fazenda como um “balão de ensaio” que não deu certo, por isso Lula teve que “estancar logo” o desgaste que vinha sofrendo com o assunto.


Diante de uma forte reação nas redes sociais e críticas por eventual impacto no bolso do consumidor, em especial da classe média — estrato da população em que Lula tenta vencer resistência —, Haddad precisou se explicar e foi atropelado por ruídos de comunicação gerados dentro do próprio governo.




A primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, por exemplo, foi ao Twitter para dizer que a medida tinha por objetivo combater a sonegação de impostos de empresas, e não de pessoas físicas. Mas foi confrontada por internautas de que, na prática, imposto termina encarecendo produtos.


A Receita entendia que acabar com a isenção para compras de até US$ 50 seria a medida mais eficiente para combater eventual sonegação de impostos de plataformas digitais como as asiáticas Shopee, Shein e AliExpress, entre outras. Esses e-commerces vendem produtos importados no Brasil pela internet e despontam como um grande sucesso, incomodando empresas nacionais.


Ao anunciar o recuo, em entrevista na porta do Ministério da Fazenda, Haddad admitiu que cumpria uma determinação do presidente.


— O presidente nos pediu ontem para tentar resolver isso do ponto de vista administrativo, ou seja, reforçar a fiscalização, sem a necessidade de mudar a regra atual. Havia confusão de que a mudança poderia prejudicar as pessoas que de boa fé recebem encomendas do exterior até esse patamar — disse o ministro, que também admitiu dificuldades para atingir sua previsão de arrecar R$ 8 bilhões apenas reforçando a fiscalização: — Não será fácil. Uma coisa é fechar a porta, outra é um caminho mais árduo (focar na fiscalização apenas).


Ao mirar nos e-commerces asiáticos, contudo, Haddad atingiu um dos públicos que Lula tenta atrair pelo bolso, como revelou O Globo há duas semanas. Depois de relançar programas sociais voltados aos mais pobres nos primeiros cem dias de governo, o governo prepara uma série de medidas com foco na classe média, como regras para baixar as taxas de juros do cartão de crédito a condições especiais para empréstimos bancários.


Os petistas reconhecem que esse público tem mais resistência ao presidente. Pesquisa Datafolha divulgada no fim de março mostrou que 36% dos que ganham de dois a cinco salários mínimos reprovam o presidente, índice que é de 47% na população com renda familiar mensal de cinco a dez salários — na média geral, a taxa dos que avaliam a gestão como ruim ou péssima é de 29%.


Para o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, o recuo representou uma derrota não só para a equipe econômica, mas também para o próprio governo:


— O desgate já tinha ocorrido. Recuar agora passa a ideia de que o governo está desarticulado — disse Meirelles, acrescentando que a medida traria efeitos positivos, a médio e longo prazos, não só na arrecadação, mas também na preservação dos empregos com a proteção do varejo nacional contra concorrência desleal das plataformas, principalmente as chinesas.


A decisão do governo de voltar atrás também gerou críticas de bolsonaristas nas redes sociais. Eles indagaram quais os motivos do recuo, de onde virão os recursos para assegurar as receitas que o govermo precisa e se outros segmentos serão taxados.

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