Para juristas ouvidos pelo Globo, a velocidade com que foi apresentada a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o senador Sergio Moro (União-SP) — apenas três dias depois de vir à tona um vídeo no qual o ex-juiz insinuava uma possível venda de habeas corpus pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) — é “atípica” e “inusual”.
Os especialistas, porém, são unânimes em condenar o teor da declaração de Moro, realmente passível, segundo eles, de ser enquadrado no crime de calúnia, tal qual fez a vice-procuradora-geral Lindôra Maria Araújo, responsável pela representação.
Professor titular de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e ex-procurador da República, o advogado Daniel Sarmento explica que o mais comum, em casos como esse, seria a instauração de um inquérito a partir do conteúdo da gravação. Nesta etapa, poderia haver, por exemplo, o depoimento do próprio autor, que apresentaria sua versão para os fatos.
— O que surpreende não é a denúncia em si, mas, normalmente, isso é precedido de uma oitiva para esclarecer o contexto, com todo um trâmite previsto. É importante frisar que vejo a fala de Moro como absolutamente lamentável. Ele é senador, trabalha junto ao sistema de Justiça, não pode sair fazendo acusação contra um ministro do STF. Mas, ainda que não haja qualquer ilegalidade aparente, o timing é, sim, fora do usual — pontua Sarmento.
Já o advogado criminalista Taiguara Libano Soares, professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do IBMEC-RJ, avalia que o momento político turbulento do país pode ter contribuído para a rapidez na movimentação da PGR:
— Não há um prazo previamente definido para este trâmite. De fato, não é usual o oferecimento de denúncia após apenas três dias de representação. Provavelmente a notoriedade dos envolvidos e a gravidade das ilações contidas no vídeo podem ter influenciado na celeridade da atuação da Procuradoria. Outro fator que possivelmente tem relevância é o atual contexto social e político do país, com ataques severos às instituições democráticas, notadamente ao STF. A PGR pode ter levado isso em consideração, para dar rápida resposta.
Nesta terça-feira, a jornalista Malu Gaspar, colunista do GLOBO, revelou que o vídeo de Moro foi gravado em uma festa junina em 25 de junho do ano passado, em um clube de Curitiba. Ao apresentar a denúncia, porém, Lindôra Araújo descreveu somente que a cena havia acontecido “em data, hora e local incertos” e “não sabidos”, uma vez que, até aquele momento, os detalhes do evento ainda eram desconhecidos.
— Falando em tese, o Ministério Público sustenta que, em alguns casos, essas questões podem ser aprofundadas durante o processo, em um momento posterior. Embora não exista a necessidade de investigação policial quando o MP avalia ter em mãos provas da existência do fato e indício de autoria, me parece que, neste episódio, seria mais prudente ter requisitado a instauração do inquérito para obter maiores esclarecimentos. Até mesmo porque há determinados juízes que consideram a falta de precisão para narrar os fatos como um argumento para não acolher — explica Breno Melaragno Costa, advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Rio, acrescentando que, perante à lei, o uso do chamado “tom jocoso” — ou uma “brincadeira”, como alegou Moro — “não exclui a intenção de ofender a honra”.
‘Açodada’ e ‘sem base’: Moro repudia denúncia da PGR por calúnia contra Gilmar Mendes
Taiguara Libano Soares segue raciocínio semelhante:
— Caso comprovada a autenticidade do vídeo, verifica-se inequivocamente o crime de calúnia, que se caracteriza pelo ataque à honra da vítima e a falsa imputação de crime a alguém. No vídeo, o senador dá a entender que um ministro do STF vende decisões judiciais, conduta que corresponderia ao crime de corrupção passiva. Além disso, o episódio se reveste de maior gravidade, pois as acusações são feitas contra um funcionário público, pessoa idosa e na presença de várias pessoas, além de ter sido divulgado na internet, fatores que resultam na majoração da pena. Ainda assim, pode ser avaliada a eventual aplicação de alguma medida despenalizadora.
Nesta terça-feira, Moro repudiou o que chamou de “denúncia relâmpago” por parte da PGR. O senador também afirmou que, caso tivesse sido ouvido anteriormente, “explicaria tudo” a respeito do episódio.
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“Brincava-se sobre ‘cadeia’ em festa junina na qual paga-se uma prenda para sair (atenção: não é crime pagar ou receber nesse caso). A não ser que a PGR queira dizer que acusei o ministro Gilmar de ‘vender’ ‘habeas corpus’ contra ‘prisão’ de festa junina, penso que a denúncia é absurda”, escreveu o ex-juiz nas redes sociais, frisando que não estava “reiterando calúnia ou injúria, apenas explicando”. Ele continuou:
“Tenho divergências sérias com o ministro Gilmar Mendes, mas nunca o acusei de crimes. O culpado pela ofensa ao ministro é quem na sexta-feira editou e divulgou trechos do vídeo com malícia. Eu, da minha parte, nunca tive o vídeo. Acho estranha e repudio a denúncia relâmpago”, afirmou.
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