Entre os assuntos que dominaram as pautas, ao longo desta semana, em Brasília, não se falou outra coisa a não ser a manutenção de Daniela Carneiro (União Brasil) no comando do Ministério do Turismo. A torcida de todos, endossada pelo próprio partido, era que o presidente Lula a demitisse.
Ao optar por manter a ministra, o presidente demonstra ser, no terceiro mandato, uma figura mais movida pelo emocional do que mesmo pelo pragmatismo, distanciando-se cada vez mais da racionalidade presente nas duas outras ocasiões em que governou o Brasil.
Nesta entrevista à Folha, o jornalista José Maria Trindade, um dos âncoras do programa Pingos nos Is, da Jovem Pan, diz que Lula perdeu uma boa oportunidade de mostrar que seu Governo será diferente dos anteriores, afastando da sua equipe não apenas Daniela, mas também o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, ambos com gestos e atitudes nada republicanas.
Como avalia a decisão do presidente em optar, neste primeiro momento, em manter a ministra do Turismo?
Estamos vivendo um momento político muito sensível, com o presidente Lula optando entre a racionalidade e a emoção. Dizem que pelo tempo que ficou preso, ele ficou muito emocional, anda com choros pelos cantos quando fica emocionado, agindo em alguns casos com o fígado. Ele não era assim. E quando optou por manter a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi vencido pela emoção, porque ela e o marido ajudaram e apoiaram Lula no Rio de Janeiro, enfrentaram dificuldades no embate com Jair Bolsonaro. Só que a política é racional, não é pessoal.
Então, o presidente errou!
Lula pode perder, inclusive, apoios importantes no União Brasil por essa manutenção. Mas por aqui, ninguém acredita na possibilidade de não ocorrer a reforma por conta disso. O que se diz é que o governo ficou velho rápido demais. Porque esse acordo para o Ministério do Turismo foi formulado pela equipe de transição com o Congresso antigo, ou seja, com um Congresso que não tomou posse, pois metade não foi reeleita. Então, neste sentido, é preciso repactuar o governo sim. Lula não ganhou essa eleição sozinho.
Até quando deve durar a sobrevivência da Daniela no Ministério?
Acredita-se que mais 15 dias, talvez, no máximo dez. Os políticos me dizem que naturalmente eles aceitariam essa demissão sem rancor. Agora, o marido dela, o Waguinho, é quem está mandando na história. A resistência brava no Ministério é que o grupo do União Brasil queria mandar no Ministério dirigido por ela. E isto significa responsabilizá-la de qualquer malfeito. E ela tem razão quando resistiu, porque abriria o Ministério para os caciques do União Brasil, o pessoal meteria a mão nos cofres e seria ela quem se responsabilizaria. E Daniela disse não, que foi o início da briga.
E o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, também cai?
A ideia que eu escuto aqui é de uma reformulação muito geral. A reforma ministerial que Lula não pode fugir. O apoio no Congresso Nacional é importantíssimo. Houve, de um tempo para cá, há anos, e não foi o Arthur Lira quem construiu isso, um caminho de empoderamento do Congresso. Hoje, o nome forte é o de Arthur Lira, porque ele domina a Câmara dos Deputados que está fortíssima. O Congresso está executando o orçamento.
Lula vai ceder a Arthur Lira e ao Centrão com cargos?
Hoje o Congresso já não depende mais das emendas parlamentares. Elas são impositivas, ou seja, obrigatórias. O governo tem que liberar os recursos. E o Centrão está querendo é poder e esse poder passa por vários ministérios importantes, de decisão, e o forte aqui é o Ministério da Saúde, que sempre foi dominado pelo PT.
Essa intenção do Centrão querer o Ministério da Saúde se dá em razão da pasta ter um orçamento robusto?
Sim. Dinheiro, mando e uma capilaridade muito grande. Onde tem SUS, tem Ministério da Saúde. Além de um orçamento invejável, tem as nomeações dos estados. Cada Estado tem representação do Ministério e com poder de fiscalização de hospitais, Anvisa, planos de saúde, ou seja, uma grande alavanca.
O presidente dá também a Embratur ao Centrão?
Essa é a ideia. É esvaziar o Ministério do Turismo. A Embratur é mais importante que o próprio Ministério, porque é uma operadora. Ela é quem comanda, tem verbas de investimentos, inclusive até em obras. É um ponto sensível. É uma pena que um debate tenha acontecido nesse nível político de favores e não sobre o Brasil.
Se esse debate sobre o turismo acontecesse pelo Brasil, o que poderia melhorar, em sua opinião?
Recentemente, estive com a embaixadora da Costa Rica e ela me mostrou que lá eles recebem na faixa de 24 milhões de turistas estrangeiros por ano, enquanto o Brasil recebe apenas 8 milhões. Quer dizer, o Brasil tem uma possibilidade muito maior de turismo do que a Costa Rica. E o que está faltando? Falta ação governamental. Aqui, se discute quem é amigo de quem e não de projeto de infraestrutura para receber turistas.
Essas três CPI’s que estão tramitando no Congresso darão algum resultado?
CPI é uma ação política. É o momento em que o Congresso Nacional toma poderes de polícia e até de judiciário. Pode mandar prender, quebrar sigilo e tudo. Isso é muito importante. A CPI do MST está dominada pelo pessoal do Agro, que vem sofrendo esse terrorismo que o MST provoca em todo o Brasil. Essa romantização do MST acabou. Essa CPI do MST vai trazer um relatório importante, eu acredito. Já a das Americanas envolve empresa privada, enquanto a CPI do 8 de Janeiro é uma luta política que o governo ganhou a maioria e vai para cima dos generais que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro.
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