A trama golpista no conteúdo do celular do tenente-coronel Mauro Cid, revelada pela revista Veja nesta quinta-feira (15), incluiu até mesmo integrantes do alto escalão das Forças Armadas, como atestam diálogos do coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, com Mauro Cid.
Após a derrota de Bolsonaro nas urnas, Lawand manteve contato frequente com Cid e cobrou, repetidamente, que o plano fosse colocado em prática.
“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo está com ele”, implorou o coronel na noite de 1º de dezembro. “Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo”, completou, referindo-se aos generais que chefiavam a Forças Armadas e ao próprio Bolsonaro.
Na mesma mensagem, Lawand chega a vislumbrar uma futura prisão do então presidente. “Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso”, previu o coronel, antes de acrescentar: “E pior, na Papuda, cara”. A resposta de Cid, porém, foi lacônica: “Mas o PR (presidente) não pode dar uma ordem se ele não confia no ACE (Alto-Comando do Exército)”.
No dia seguinte, Lawand retomou o assunto e relatou o encontro de “um amigo do QG” com o general Edson Skora Rosty, então subcomandante de Operações Terrestres, que teria anuído com a ofensiva. “Foi uma conversa longa, mas, para resumir, se o EB (Exército Brasileiro) receber a ordem, cumpre prontamente”, disse, antes de ponderar: “De modo próprio o EB nada vai fazer, porque será visto como golpe. Então, está nas mãos do PR (presidente)”.
Nove dias mais tarde, as intenções golpistas permaneciam circundando as interações da dupla. “Se a cúpula do Exército não está com ele, da Divisão para baixo está”, garantiu Lawand. “Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus”, prosseguiu, mais uma vez em tom de súplica. Cid retrucou informando que havia “muita coisa acontecendo”, “passo a passo”. O coronel festeja: “Excelente!!!”
Procurado pela revista, Lawand — destacado pelo governo Lula para assumir o cargo de representante militar em Washington, nos Estados Unidos — afirmou ter uma relação de amizade com Cid, com quem conversava sobre “amenidades”. Ele disse não se lembrar de nenhum diálogo de teor golpista. O general Rosty também relatou que não se recordava de conversas do gênero. Cid está preso desde o início de maio após uma operação da PF sobre fraudes em cartões de vacina, na qual seu telefone acabou apreendido.
‘Passo a passo’ do golpe
De acordo com a revista, um dos documentos encontrados pelos agentes no celular de Mauro Cid era intitulado “Forças Armadas como poder moderador”. Nele, é apresentado um plano baseado na tese controversa — e infundada, para especialistas — de que militares poderiam ser convocados para arbitrar conflitos entre os Poderes.
O texto, que ensina uma espécie de “passo a passo” do golpe, não é o mesmo da minuta encontrada com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, atualmente preso por suspeitas de ligação com os ataques ocorridos em Brasília em 8 de janeiro. Segundo o plano armazenado no celular de Cid, Bolsonaro deveria encaminhar as supostas inconstitucionalidades praticadas pelo Judiciário aos comandantes das Forças Armadas. Os militares, então, poderiam nomear um interventor investido de poderes absolutos.
Esse interventor, na sequência, deveria fixar um prazo para o “restabelecimento da ordem constitucional”. Assim, poderia suspender decisões que considerasse inconstitucionais, como a diplomação de Lula.
Além disso, tal figura teria o poder de afastar preventivamente ministros do STF como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que na época também integravam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No lugar, seriam convocados os substitutos, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli — os dois primeiros nomeados pelo próprio Bolsonaro.
O material publicado pela Veja faz parte de um relatório de 66 páginas produzido pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal. No telefone de Cid, foi encontrado ainda outro documento, onde é aventada a hipótese de decretação de estado de sítio, uma das medidas mais extremas previstas na Constituição, válida apenas para situações excepcionais, como em caso de guerra.
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